O coordenador do grupo de trabalho que apresentou a proposta, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), tem confundido modernizar com mutilar. A nova reforma administrativa, conduzida pela Câmara sob o comando do deputado Hugo Motta, avança como quem opera o Estado sem anestesia, firme na convicção de que cortar é sempre melhor que curar.
O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) é médico formado pela Universidade Católica de Brasília e iniciou sua trajetória política em 2010, quando se tornou o deputado federal mais jovem da história do país aos 21 anos. Talvez por isso veja o Estado como um corpo a ser operado. O problema é que, neste caso, o bisturi atinge o coração do serviço público, não a doença que o enfraquece.
O discurso é o mesmo de todas as épocas: eficiência, meritocracia, racionalidade. Na prática, o bisturi atinge o servidor, não a estrutura que o aprisiona. Querem um Estado ágil, mas continuam presos à velha lógica de punir quem trabalha e proteger quem manda. O funcionário público, já sobrecarregado e mal pago, vira bode expiatório de um sistema que desperdiça bilhões no topo enquanto cobra centavos na base.
A retórica da avaliação de desempenho é o novo nome do medo. Prometem medir mérito, mas sem explicar quem avalia e com que critérios. Falam em gestão moderna, mas com a mesma pressa provinciana de quem quer mostrar serviço à Faria Lima. No fundo, o projeto tem cheiro de planilha, não de país.
Enquanto isso, o Planalto observa de longe, calculando o custo político da reforma e fingindo neutralidade. Mas há momentos em que o silêncio é conivência. O Brasil não precisa de um Estado menor, precisa de um Estado melhor, que funcione, que proteja, que não se curve aos humores do mercado nem à vontade dos governos de turno.
Algum assessor precisa dizer ao deputado Hugo Motta que há reformas que elevam a República e outras que apenas barateiam o Estado. A que está em curso parece destinada ao segundo grupo. Porque reformar é aperfeiçoar, não amputar.
Aliás, se Motta ouvir o deputado federal Ronaldo Nogueira (Republicanos-RS), seu colega de partido, talvez poupe o paciente. Ronaldo Nogueira lembra que antes de qualquer reforma administrativa é imprescindível aprovar o Projeto de Lei 4121/2024, de sua autoria, que estabelece normas gerais da administração pública. Para ele, tentar reformar o Estado sem antes atualizar, modernizar e consolidar a legislação é como costurar remendo novo em tecido velho.
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Ronaldo Nóbrega é jornalista e memorialista, com quase três décadas de atuação na imprensa e na análise institucional. Aos 16 anos, emancipou-se para ingressar no mercado de comunicação, iniciando sua trajetória no jornal A Hora, no Nordeste. Em Brasília, atuou como consulente no Tribunal Superior Eleitoral por 12 anos. Em 2005, teve papel de destaque na Consulta nº 1.185, que contestou a Regra da Verticalização e resultou na Emenda Constitucional nº 52/2006, marco que consolidou a autonomia partidária no Brasil.